caetano veloso celebra pina em “the man i love”

Escrito por Thiago Pinheiro

Equipe de autores da ArqBahia.

No final de abril de 2023, o renomado artista baiano Caetano Veloso lançou um clipe em homenagem à coreógrafa alemã Pina Bausch. O clipe, com trilha sonora da canção “The Man I Love”, foi elogiado pelo próprio Caetano, que considerou o clipe uma peça “belíssima sobre o amor que fez meu canto soar melhor”. Neste artigo, vamos explorar a relação entre Caetano Veloso, Pina Bausch e a música “The Man I Love”, além de discutir o contexto em que o clipe foi lançado.

Quem foi Pina Bausch?

Pina Bausch foi uma famosa bailarina e coreógrafa alemã, nascida em Solingen, na Alemanha, em 27 de julho de 1940, e falecida em 30 de junho de 2009, em Wuppertal, também na Alemanha. Ela é considerada uma das mais importantes figuras da dança contemporânea e é conhecida por suas coreografias ousadas e emocionantes que combinavam dança, teatro, música e elementos visuais.

Pina começou sua carreira na dança clássica, mas rapidamente se interessou por outras formas de dança, como o expressionismo alemão e a dança moderna. Em 1973, ela foi nomeada diretora artística da Tanztheater Wuppertal, uma companhia de dança criada especialmente para ela. Foi lá que ela desenvolveu seu estilo inovador de dança, que misturava elementos de dança clássica, moderna e teatro.

Pina Bausch deixou um legado duradouro na dança contemporânea, e sua influência pode ser vista em muitas das companhias de dança e coreógrafos atuais.

A coreografia de Pina Bausch e a música de Caetano Veloso

https://www.youtube.com/watch?v=to6BoXLtS68

O clipe lançado por Caetano Veloso é inspirado na obra de Pina Bausch e usa a música “The Man I Love” como trilha sonora. A canção foi gravada por Caetano em 2004, no álbum “A Foreign Sound”, e é uma composição dos irmãos George e Ira Gershwin, dois dos maiores compositores da música americana do século XX. 

No clipe, à beira da praia e em tons azulados como que um quadro da fase azul de Picasso, o ator e coreógrafo Antonio Miano faz a coreografia que foi feita por Pina para o espetáculo de 1982 chamado Nelken (Carnations). A escolha da coregrafia para o cover de “The Man I Love” não foi por acaso.

Na coreografia de Pina, o dançarino performa, em linguagem de sinais, a letra da música. A escolha da coreografia em linguagem de sinais, que dialoga com a letra da música, sugere uma busca por uma comunicação mais profunda e autêntica, que vai além das palavras e dos gestos convencionais.

“É uma dessas canções americanas que a gente ouvia desde pequeno. Já adulto, na juventude, eu a ouvi cantada por Ella Fitzgerald e também por Billie Holliday, e a amei mais ainda. Mais tarde, vi um espetáculo de Pina em que um dos dançarinos dizia a letra em linguagem de sinais, o que me deixou deslumbrado.
retrato de caetano veloso
Caetano Veloso em entrevista para G1
Cantor

O clipe de Caetano Veloso: um ponto de vista

A música “The Man I Love” trata, sem dúvidas, da espera por um ideal. O ideal do homem grande, forte, compreensivo e protetor, que pode dar segurança e amor na vida do eu-lírico feminino: o homem que ela ama romanticamente.

O clipe de Caetano, entretanto, parece conversar também com um outro tipo de ideal: o do amor próprio e do encontro consigo mesmo, tanto como criador quanto como criatura. 

No quadro “A Criação de Adão”, o toque dos dedos entre Deus e o primeiro homem simbolizam não somente a conexão entre ambos, mas demonstra também um Deus que se reconhece na beleza e perfeição de sua obra, criando uma admiração consigo mesmo. Um deus que, amando sua criação como a si mesmo, é dedicado a protegê-la e guiá-la. Enquanto Adão está reclinado, é Deus quem está se esticando, procurando tocar sua estar perto de sua criação.

Na foto abaixo, comparamos o detalhe das mãos no quadro “A Criação de Adão” de Michelangelo e um frame do clipe de Caetano Veloso.

A nossa relação com nós mesmos não difere tanto dessa: temos uma tendência a nos amar e admirar e isso é, sem dúvidas, saudável e necessário em uma medida. Essa relação é o que batizamos, a partir de Freud, como o narcisismo. 

O narcisismo é um conceito psicológico que tem origem na mitologia grega, mais especificamente na história de Narciso. De acordo com a lenda, Narciso era um jovem muito belo que, ao ver sua própria imagem refletida na água, se apaixonou por si mesmo e acabou morrendo por não conseguir se afastar do espelho d’água.

A partir dessa história, o termo “narcisismo” foi cunhado por Freud como uma forma de descrever um dos aspectos mais primitivos do psiquismo humano, que se refere ao amor por si mesmo e à identificação com a própria imagem. Na psicologia, o narcisismo pode ser considerado como uma necessidade humana básica, uma vez que todos precisam se sentir valorizados e respeitados em algum grau.

Na arte, a representação mais conhecida do mito de Narciso é a pintura “Narciso” de Caravaggio, que está lado-a-lado com um frame do clipe: a referência, nesse caso, é clara.

Na psicologia analítica, a água é frequentemente associada ao inconsciente e ao simbolismo dos sonhos. Na mitologia e nas religiões, a água também é vista como um símbolo de purificação, renovação e regeneração.

No contexto do clipe de Caetano Veloso, a água assume uma dupla função simbólica: por um lado, ela representa o espelho d’água onde Narciso se apaixonou por sua própria imagem, evocando o mito que deu origem ao conceito de narcisismo. Por outro lado, a água também pode ser vista como um elemento que simboliza a transformação, a purificação e a renovação e também pode ser vista como uma metáfora para o processo de transformação pessoal e crescimento interior.

Em um último ato, o coreógrafo parece começar a se afogar e cair no mar, até que aparece de pernas pro ar. A cena pode ser interpretada como se ele tivesse passado para outra dimensão: saído pelo outro lado do mar. O que simboliza o “tornar-se”, como quem atravessa o espelho e se torna quem admirava.

Essa visão do clipe pode ser aplicada em muitos aspectos da vida como, por exemplo, o desejo de tornar-se semelhante a uma figura paterna com a qual nos identificamos. Semelhante àquela figura que um dia nos trouxe segurança e compreensão na infância.

Como disse por Gilberto Gil sobre seu pai na música “Pai e mãe”: “Alguém com sua força pra me proteger, alguém com seu carinho pra me confortar, alguém com olhos e coração bem abertos pra me compreender”, uma descrição de alguém semelhante a dita na música.

Essa é uma das milhares de versões possíveis de se ver esse clipe e cada pessoa que você perguntar terá uma resposta diferente. Me diz, como esse clipe conversa com você?

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