A luz na estética de Baco Exu do Blues e o Barroco

Escrito por Thiago Pinheiro

Equipe de autores da ArqBahia.

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Baco Exu do Blues

Baco Exu do Blues, cujo nome real é Diogo Álvaro Ferreira Moncorvo, é um jovem artista multifacetado baiano que se destacou nos últimos anos na cena musical e artística do país. Nascido em Salvador, na Bahia, em 1996, Baco é conhecido por sua habilidade de misturar diferentes gêneros musicais, como rap, blues, MPB e jazz. Sua carreira no rap começou principalmente a partir do single “Sulicídio”.

Sulicídio é uma música de rap lançada em 2016 pelos artistas nordestinos Baco Exu do Blues e Diomedes Chinaski. A música é considerada um marco na divulgação de rappers do Nordeste no cenário nacional, e tem um tom provocativo e desafiador em relação aos rappers do Sudeste, conhecido também na tradição do rap como uma “diss”.

A letra contém diversas referências culturais e críticas sociais, além de alfinetar alguns nomes do rap brasileiro, como Nocivo Shomon, Ret e Felp. A música faz parte do álbum Sulicídio, que também conta com outras faixas dos dois rappers. O título da música é uma junção das palavras “suicídio” e “sul”, sugerindo que os rappers do Nordeste estão matando os do Sul com suas rimas e atitudes.

Mas me diz, o que a Renascença, a Igreja Católica e Baco Exu do Blues tem a ver?

Surgimento do barroco na europa

O movimento barroco surgiu no século XVII na Europa, em um período de profundas mudanças sociais e culturais, como a Reforma Protestante. Caracterizado pela busca da emoção e do drama, o Barroco foi um movimento artístico de reação ao Renascimento.

Uma das principais características do Barroco é a utilização do contraste, que era usado para criar uma tensão dramática na obra. Essa técnica era aplicada em diversos elementos, como a luz e a sombra, o claro e o escuro, o alto e o baixo relevo e a cor. Além disso, o movimento barroco também valorizava a exuberância e a ornamentação, o que se refletia na arquitetura, pintura e escultura da época.

O drama era outro elemento fundamental do Barroco, e estava presente tanto nas temáticas quanto nas formas artísticas. As obras barrocas frequentemente tratavam de temas religiosos, como o sofrimento de Cristo e a redenção, e utilizavam recursos dramáticos para despertar emoções no espectador. A arte barroca também era caracterizada pela exuberância e pelo movimento, com figuras em poses dramáticas e expressões intensas.

O barroco no Brasil chegou com os colonizadores portugueses e começou seu real desenvolvimento no final do século XVII. O barroco brasileiro foi influenciado tanto pela tradição artística europeia quanto pela cultura local do período colonial.

O barroco baiano

fotografia da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco em Salvador - Bahia
Igreja da Ordem Terceira de São Francisco em Salvador – Bahia

Na Bahia, em particular, o Barroco ganhou uma expressão singular, que refletiu a rica história e as complexas relações culturais da região. Suas igrejas tiveram uma expressão única, – apesar de desvalorizada hoje em dia em detrimento do Barroco de Minas Gerais, encontrado principalmente em igrejas como a São Francisco de Assis de Ouro Preto e de Aleijadinho.

Na questão da arquitetura, isso se dá principalmente porque as igrejas baianas não mantiveram seu estilo barroco no interior da igreja, passando por reformas que se adequaram ao estilo dominante da época, enquanto o mineiro se manteu mais “intocado”.

No Barroco Baiano, podemos dizer que a A Igreja da Ordem Terceira em Salvador é o maior exemplo arquitetônico. Na Pintura, um dos nomes maiores é José Joaquim da Rocha, membros do que se acostumou a chamar de Escola Baiana de Pintura. Na literatura, o destaque é Gregório de Matos, também conhecido como boca do inferno e Padre Antônio Vieira.

fotografia do Teto da Igreja da Ordem Terceira de São Domingos por José Joaquim da Rocha
Teto da Igreja da Ordem Terceira de São Domingos por José Joaquim da Rocha

O chiaroscuro (claro-escuro) no movimento barroco

pintura São Jerônimo escrevendo, Caravaggio (1607)
São Jerônimo escrevendo, Caravaggio (1607)

Hoje em dia, a iluminação da pintura acima pode não te surpreender tanto. Vemos essa estética em quase todos lugares: na fotografia, do cinema e da pintura. Mas nem sempre foi assim. Só na Renascença esse tipo de iluminação foi criada. E só no Barroco ela foi mais explorada e potencializada, por isso sendo mais associada a esse movimento. Ela era, afinal, a cara da dualidade do barroco: a luz e e a sombra, a claridade e a escuridão.

O nome dessa técnica é Chiaroscuro, que significa “Claro-Escuro” em italiano. Muito auto-explicativo, não é? O Chiaroescuro consiste em um jogo de luz e sombra, no qual áreas bem iluminadas contrastam com áreas de profunda escuridão, criando uma sensação de volume, profundidade e drama. Muito drama.

No barroco, essa técnica é uma ferramenta essencial para expressar grandiosidade e mistério, dando um tom emocional e mítico para as obras. Através do uso habilidoso do Chiaroscuro, os pintores conseguiam dar vida às figuras sagradas, fazendo com que elas parecessem emergir do próprio quadro, permitindo uma relação mais complexa com a tela.

Muitos pintores famosos a utilizaram, com destaque para Caravaggio, Rembrant e Goya. Caravaggio, por exemplo, utilizava o contraste entre luz e escuridão para dar mais atenção para a figura central da cena. Já Rembrant explorava a iluminação suave e difusa, usando a técnica para representar a forma e textura da realidade de forma específica, conhecida como “efeito Rembrandt”. Goya, muitas vezes, utilizava a técnica para retratar aspectos mais sombrios e assustadores da vida.

Nos retratos, o Chiaroscuro é empregado para modelar os rostos e corpos dos retratados, acentuando suas características e expressões, tornando-os mais vívidos e cativantes. Assim, o Chiaroscuro se torna uma marca registrada do barroco e certos pintores, contribuindo para a criação de obras de arte profundas, carregadas de emoção e realismo.

Baco Exu do Blues e a estética barroca

Capa do álbum Esú de Baco Exu do Blues
Capa do álbum Esú de Baco Exu do Blues

Beleza, mas e o que Exu e Hip Hop tem haver com a Igreja Católica?

No lançamento de seu primeiro álbum, Esú, Baco utilizou uma série de fotografias de Mário Cravo Neto, fotógrafo e escultor baiano, para representar seu álbum. Desde a capa do álbum até as utilizadas nos vídeos de youtube, as fotografias utilizam as técnicas de Chiaroscuro inventadas na Renascença para contrapor a pele preta sob a luz. Em algumas fotografias, como a abaixo, isso é facilmente visto.

fotografia divulgação do álbum esú de baco exu do blues
Fotografia-Divulgação do álbum Esú (Baco Exu do Blues)

A preferência de Baco pela iluminação Chiaroscuro, entretanto, não é uma preferência exclusiva de um álbum. É uma escolha sólida que se mantém ao longo da sua carreira. Assim como em Esú, Bluesman e suas fotografias também contam com esse contraste barroco entre sombra e reflexo.

Nesse álbum, o Chiaroescuro da estética de Baco Exu do Blues pode ser definido a partir do nome de uma música: “Preto e Prata”, sendo prata a cor do reflexo da luz na pele preta.

Fotografia-Divulgação do álbum Esú (Baco Exu do Blues)
Fotografia-Divulgação do álbum Esú (Baco Exu do Blues)
Fotografia-Divulgação do álbum Esú (Baco Exu do Blues)
Fotografia-Divulgação do álbum Esú (Baco Exu do Blues)

Em “Quantas vezes você já foi amado?”, Baco já não escolhe ter várias fotografias para representar o álbum. A sequência escolhida de quatro retratos, entretanto, intensifica ainda mais a preferência de Baco pelo Chiaroscuro, beirando uma vertente conhecida como Tenebrismo. No Tenebrismo, a sombra toma ainda maior parte da tela, garantindo que as superfícies iluminadas irão ganhar destaque e dar o volume da pintura. Além, no Tenebrismo, é comum o uso do contraste entre a cor preta com o vermelha.

Fotografia-Divulgação do álbum QVVJFA (Baco Exu do Blues)
Fotografia-Divulgação do álbum QVVJFA (Baco Exu do Blues)
Pintura Morte da Virgem, Caravaggio (1602, data disputada)
Morte da Virgem, Caravaggio (1602, data disputada)
Pintura Ecce Homo, Jusepe de Ribera (1620)
Ecce Homo, Jusepe de Ribera (1620)

Baco Exu do Blues e a poesia barroca

O Chiaroscuro, técnica de iluminação que combina luz e sombra, desempenhou um papel fundamental no movimento barroco. Essa técnica, conhecida como “claro-escuro” em italiano, foi desenvolvida durante o Renascimento e amplamente explorada e aprimorada no período barroco. O Chiaroscuro era perfeitamente adequado à dualidade do barroco, representando a luz e a escuridão, a clareza e a sombra.

No contexto do rapper brasileiro Baco Exu do Blues e sua relação com o barroco, podemos observar a influência do Chiaroscuro em sua estética visual. No álbum “Esú”, Baco utilizou fotografias de Mário Cravo Neto, um renomado fotógrafo e escultor baiano, que aplicou as técnicas do Chiaroscuro para criar contrastes entre a pele negra e a luz. Essa preferência pelo Chiaroscuro não se limitou a um único álbum, mas se manteve ao longo de sua carreira, como podemos perceber em outros trabalhos, como “Bluesman”. O uso desse contraste barroco entre sombra e reflexo também é evidente nas fotografias escolhidas pelo rapper.

A escolha estética de Baco Exu do Blues em utilizar o Chiaroscuro faz todo sentido, considerando o tema recorrente de dualidades presente em suas letras. As músicas dos álbum tem como tema frequente uma divisão, uma luta. O rapper está sempre partido: entre deuses e homens, entre amor e ódio, entre autoestima e auto ódio. Sempre em movimento entre esses polos opostos.

Baco reforça essa mensagem lírica de suas músicas através do uso do Chiaroscuro. Essa abordagem visual potencializa a expressão artística de suas letras, permitindo que as dualidades se manifestem não apenas em palavras, mas também por meio de elementos visuais poderosos e marcantes Proporciona, assim, uma experiência estética coesa e impactante para seu público.

referências

Chiaroscuro in Art – The Ultimate Guide – Draw Paint Academy

Obras de José Joaquim da Rocha | Enciclopédia Itaú Cultural (itaucultural.org.br)

Chiaroscuro – Wikipedia

Aspectos Gerais da Arquitetura Religiosa Colonial Baiana por Vilmar Francisco Mayer (ufrgs.br)

Igreja da Ordem Terceira de São Francisco (Salvador) – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

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